Tribuna do Norte: No interior do RN, água virou poeira.
Na casa de Vera Lúcia de Araújo, 48 anos, a poeira assentou sobre a torneira, a pia e a máquina de lavar roupa há mais de 60 dias. Após a seca rachar o chão dos açudes Dourado e Marechal Dutra (Gargalheiras), colapsando o sistema de abastecimento de Currais Novos, município do Seridó Potiguar, o único meio de acesso à agua no bairro Paizinho Jesus é por meio do poço instalado pela prefeitura, que garante água pela manhã, a partir das 7h. Com carrinhos de mão, baldes e garrafões, os moradores fazem fila desde às 6h.
A seca que castiga o Rio Grande do Norte há quatro anos dizimou as reservas do estado potiguar. Atualmente, o estado detém apenas 21% da capacidade hídrica. Entre as regiões mais castigadas estão o Seridó e o Alto Oeste, onde a seca esvaziou os maiores reservatórios: Marechal Dutra (o Gargalheiras) e Pau dos Ferros. Até agora, 13 municípios do estado estão em colapso no abastecimento, e outros 73 enfrentam algum tipo de racionamento de água.
Em todo o Seridó, 265.579 pessoas estão com dificuldades no acesso à água. Destas, 81.290 já não têm acesso à água encanada, uma vez que os sistemas de abastecimento das cidades de Acari, Currais Novos, Carnaúba dos Dantas, Jardim de Piranhas e Timbaúba dos Batistas colapsaram. A situação se agravou ainda mais com a suspensão da captação de água pela adutora Manoel Torres, em Jardim de Piranhas, pois o leito do rio secou. Com a diminuição do nível do sistema Curemas-Mãe D’água, na Paraíba, a perenização do rio foi afetada; além disso, o assoreamento da calha e a captação irregular impossibilitam a entrada do rio no estado potiguar.
Na última sexta-feira (20), o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Piancó-Piranhas-Açu se reuniu extraordinariamente em Pombal, na Paraíba, para deliberar o manejo do sistema. Com apenas 13% da capacidade, o sistema Curemas-Mãe abastece mais de 20 cidades dos dois estados. A perspectiva inicial do comitê é tentar manter a reserva hídrica até março de 2017, uma vez que a possibilidade de recarga no inverno do próximo ano é baixa.
Nesta semana, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertou que os efeitos do El Niño – fenômeno de aquecimento das águas do Oceano Pacífico – serão os mais intensos dos últimos 15 anos. O fenômeno impacta o período de chuvas no Nordeste do país.
“Infelizmente a perspectiva para 2016 do ponto de vista das chuvas são poucas, passando a nossa situação de grave para muito grave. Estamos em um estado de guerra, o sacrifício tem que ser maior para que a gente abasteça o consumo humano e animal”, afirmou Paulo Varella Neto, diretor da Agência Nacional de Águas.